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Foto do escritorMiguel Fernández

O Serviço Militar, parte 3

Atualizado: 26 de set. de 2023

Aos 20 - 21 anos


Em fins de nov1967 já nos reapresentamos na EN - Escola Naval (Ilha de Villegagnon, ao lado do aeroporto Santos Dumont), onde se formam os oficiais da Marinha de Guerra. Era (e é) uma instituição de ensino superior semi-convencional (semi porque militar), nível universitário AAA, que se orgulha em dizer que é a instituição de ensino universitário mais antiga do Brasil.


Eram as férias da rapaziada que ali estudava em regime de internato e, creio que nós, da EFORM, não ocupávamos nem um quarto das instalações disponíveis. Estive por lá há pouco (2023) e me emocionei em ver tudo mais ou menos igual, depois de 55 anos.

Também era uma época conturbada, o Brasil sob governo militar iniciado em 1964, o presidente era o Costa e Silva, guerrilhas pelo interior do Brasil (Araguaia) e nas áreas urbanas, a guerra do VietNam, o movimento hippie (o auge foi em Woodstock, ago1969), fortes ações terroristas na Argentina (montoneros), no Uruguai (tupamaros) e no Chile o presidente era o Eduardo Frei, substituído pelo esquerdista Allende em 1970, deposto em 1973 pelo general Pinochet. No Brasil, o Carlos Lacerda, líder da “direita” organizava a “Frente Ampla” contra governo militar, dando um nó na cabeça de muita gente por aqui. Eu era Lacerdista (estamos em 2023 e acho que ainda sou).


O padrão dos professores e encarregados da EFORM mudou muito. Outro nível, mas para não nos decepcionar, também havia aqueles oficiais que “não batiam bem”, ou seja, com algum problema psicológico, encostados para somar pontos para a aposentadoria. Do CIAW para a EN só nos acompanhou o tenente fuzileiro Joel Belo.


Um dos “professores” que me lembro (não do nome porque não valia a pena), era um M&G (mar-e-guerra = coronel no exército), que nos deu uma aula de “guerrilha urbana”. Esse M&G era tido por excelente porque fora dos primeiros alunos de sua turma, e milico dá muita importância a isso. Lembro que ele explicou d-i-r-e-i-t-i-n-h-o que não admitia ser interrompido durante as aulas e que ao final os alunos, autorizados por ele, poderiam fazer perguntas. A fama de mau e de extremamente rígido desse M&G o precedia. Determinado dia, a aula começou, e o MG explicando lá uma tática:


_ vocês vem por aqui e nós por ali, etc e tal.... então se vocês fizerem isto e aquilo nós faremos aquilo e isto e blá blá bla, então nós tendo cercado vocês, vocês..... blá bla... e o M&G riscando o quadro negro empolgadíssimo....


_ lá pelas tantas, não resisti e, falei em voz alta na sala: quem são os nós e quem são os vocês?


Silêncio geral. O M&G e a turma toda petrificados e o M&G ainda de costas para o auditório, começa a se virar devagarinho, olhando para a turma e evidenciando ter tido uma descarga de adrenalina, diz em voz estudadamente pausada e mais baixa que a da aula, e como se estivesse sendo dirigido por Hitchcock:


_ Quem falou isso?


Enquanto eu ainda pensava se tinha sido uma boa idéia falar aquilo, com a turma toda me olhando em silêncio, o M&G fala, controlando as cordas vocais, mas em êxtase do poder que dispunha sobre aquele aluno infame:


_ apresente-se, “imediatamente” ao oficial do dia e diga que está preso.


Ao longo da vida notei que os militares usam muito esses “imediatamente”; outra coisa que usam muito é o tal “providências cabíveis”. Então, devo ter dado um sorrisinho, me sentindo preso imediatamente, para as providências cabíveis, sorrisinho que não deve ter passado despercebido a ninguém, nem à turma nem ao MG, que vociferou para a turma (éramos uns 100):


_: apresentem-se dois mais antigos que o prisioneiro para escolta-lo até o oficial do dia.


Olhei para o Joviano, que era o mais antigo da nossa turma e já fui me aproximando dele para ser conduzido ao xadrez.... E fomos saindo.


O M&G apoplético: eu disse escolta de dois. E eu para êle:


_ mas eu sou o segundo mais antigo da turma toda! O M&G já meio descontrolado:


_ não ouse me dirigir a palavra (ou algo assim, não lembro bem),


Nisso, o Ivo, que era o mais antigo dos fuzileiros, e creio que era o terceiro mais antigo de toda a turma, teve o bom senso de levantar e, fingindo me pegar rispidamente pelo braço, me tirar dali, com o Joviano reagindo um pouco atrasado, e fomos para o oficial de dia. Lá chegando é que soubemos que aquele M&G era, na EN, uma espécie de tenente Lapin no CIAW.


O filme do CIAW se repetiu na EN, aprimorado: O diretor geral da EN (Álvaro?) não ia com a cara do M&G que me prendeu e, de sacanagem com o M&G, só podia ser, me convidava para almoçar na sua mesa no refeitório dos oficiais, e tornou minha prisão um evento inesquecível. Nos descobrimos Lacerdistas e intelectuais de direita, junto com mais uma porção de oficiais, quase fui convencido a “incorporar” na Marinha como engenheiro, cheguei até a escolher o “quadro” da DHN (Diretoria de Hidrografia e Navegação). Durante o ano de 1968, enquanto eu era funcionário concursado do Banco Central, todas as tardes, mudei de idéia sobre ser funcionário público.


Afinal militar é o protótipo do funcionário público. Foi uma decisão que deixou minha amada mãe muito triste, pois estava achando uma boa idéia ter o filho em um emprego estável para toda a vida. Me disse que eu não sabia o que era passar por dificuldades. Tentando me convencer a ser funcionário público, me contou muitas passagens dela e do meu pai que eu não sabia. Parece que os pais se esmeram em esconder as dificuldades aos filhos achando que, com isso os filhos estarão livres dos problemas por que passaram, ou por vergonha do que tiveram que encarar, sei lá.


Do episódio com o M&G, chato mesmo foi um detalhe surgido nos dias que precisei dormir numa cela, para “inglês ver”: peguei pthirus púbis (um tipo de piolho vulgarmente chamado “chato”) nos pelos do sovaco esquerdo, provavelmente do colchão da cela. O médico da Marinha que me atendeu foi eficientíssimo, mas fiquei aborrecido pois nunca tinha contraído nenhuma dessas transmissões ditas sexuais.


Em fins 1968, fomos diplomados guarda-marinha (GM), com todas as pompas, e soubemos que os dois meses que faltavam, janeiro-fevereiro69 seriam embarcados de fato, em inédita viagem da esquadra brasileira à Europa para participar de umas tais “comemorações cabralinas”.


A Esquadra saiu daqui logo em seguida segundo uma foto da época, em 07jan1969, retornando em fins de fevereiro de 1969.


Dessa viajem ficaram muitas lembranças, contadas na crônica “serviço militar, parte 4”, e na crônica “ciúmes étnicos, - alfacinhas”.

Miguel Fernández y Fernández, Engenheiro e cronista,

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